Parque Vila Velha, Furnas e Lagoa Dourada - Ponta Grossa
Inscrição: 01-I
Processo: 05/1966
Data da Inscrição: 18 de janeiro de 1966
Localização:
Município de Ponta Grossa
BR-376
Proprietário: Governo do Estado do Paraná
HISTÓRICO
Há aproximadamente 60 milhões de anos a crosta terrestre começou a sofrer profundas transformações, as quais, de certo modo, caracterizam seu relevo atual. Iniciadas no transcorrer da Era Paleozóica – duração presumível de 500 milhões de anos e caracterizada pela presença fóssil de invertebrados marinhos, dos primeiros anfíbios e plantas terrestres -, alteram o ritmo dos levantamentos ocorridos no período terciário da Era Cenozóica, que se lhe seguiu, e provocaram, na América do Sul, a orogenia do sistema andino e o abaixamento da borda continental Leste do Brasil: a orla Atlântica, Vila Velha, da mesma forma o Monument Valley, no Arizona, EUA, que lhe é contemporâneo, é consequência dessas modificações.
Situada no segundo planalto paranaense, numa altitude média de 900m, em uma região de sedimentos paleozóicos e mesozóicos, nela foram encontrados todos os testemunhos fósseis de importância para a determinação de sua antiguidade, que remonta ao período devoniano, último da Era Paleozóica. Na capa desse sistema devoniano afloram as camadas mais resistentes do arenito subglacial que foram modelados nas escarpas dos estratos pelos sistemas fluviais existentes no primitivo declive, sistemas esses criados por movimentos epirogênicos e que foram os responsáveis, também, pela existência dos rios subterrâneos, cursos d’água e boqueirões atuais.
De topografia ondulada, com declives médios que não ultrapassam 10%, altera-se essa região em fundos de vale e espigões sem formação de planos, e faz parte do que se convencionou chamar de “correspondente às rochas sedimentares da Bacia do Paraná”, na qual dois conjuntos de rochas assumem grande importância – os arenitos da Formação Furnas e os de origem periglacial da Formação Itararé. Enquanto em áreas de solo mais pobre ou mal arenadas são encontradas formações de campos ou estepes, em outras ocorreu seu rejuvenecimento, o que propiciou a formação de florestas. Junto aos rios, vertentes e lagos, são encontradas as formações de mata de galeria. Entretanto, a partir da colonização, esse quadro começou a ser alterado, por força de agentes externos, entre eles o desmatamento.
Vila Velha – como, aliás, todo o município de Ponta Grossa – está localizada na zona subtropical, caracterizada pelas baixas temperaturas no inverno e verões brandos, e faz parte dos chamados “Campos Gerais”, em terreno dominado pelo arenito da Formação Furnas. Toda a região é constituída de rochas com ótima permeabilidade e porosidade, o que permite intensa infiltração das águas pluviais, cuja conservação e percolação são boas; tal fato provoca, outrossim, o afloramento de água em muitos pontos, o que alimenta o nível estático das Furnas e da Lagoa Dourada. A água é de excelente qualidade, de baixo teor de salinidade e de fácil obtenção, por consequência, muitos são os riachos e ribeiros que correm para as áreas mais baixas.
Situada entre as mais importantes zonas produtoras do estado do Paraná e os portos exportadores de Paranaguá e Santos, e servida, ademais, por extensa malha de rodovias e ferrovias, para a distribuição dessa produção no mercado interno, a região de Ponta Grossa sedia o maior complexo de processamento de soja de todo o mundo. Nele a agricultura, que se liga estreitamente à indústria, está bastante desenvolvida, cultivando-se intensamente não só a soja, como também o trigo.
Vila Velha, a Itacueretaba (a aldeia que virou pedra) dos índios que habitavam ou percorriam a área, é uma das maiores atrações turísticas do país. Já era conhecida desde o século XVI, quando, pela longínqua e vasta região dos Campos Gerais, começaram a transitar portugueses e espanhóis, através de bandeiras ou expedições, muitas delas organizadas do outro lado do atlântico. Aleixo Garcia, em 1526, Pero Lobo e Francisco Chaves, em 1531, possivelmente teriam sido os primeiros europeus a palmilhar os sertões onde se localizam essas importantes formações rochosas. Anos depois, em 1541, D. Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, na condição de adelantado – governador-geral – do Paraguai, atravessou os Campos Gerais e, segundo registros históricos, teria transitado pelos lugares onde hoje se situam a cidade da Lapa e a de Ponta Grossa.
Em 1552, por lá passou, também, Ulrich Schmidel, um alemão natural da Baviera, que acompanhado por cerca de 20 índios Carijós teria sido, então, o primeiro europeu a atravessar o Novo Continente de Oeste para Leste, de Assunção, no Paraguai, a São Vicente, no litoral de São Paulo, em direção contrária à seguida Vicente, no litoral de São Paulo, em direção contrária à seguida por Cabeza de Vaca. Percorreu o Peabiru (o caminho que se inicia), trilha aberta e palmilhada pelos silvícolas, fazia séculos, e que, partindo do litoral do Atlântico, seguia Rio Ribeira acima até alcançar os Campos Gerais e, de lá, através do Tibagi, nas vizinhanças de Ponta Grossa, chegava ao Ivaí, de onde, subindo pela Serra da Boa Esperança, ia ter ao Rio Paraná, acima das extintas Sete Quedas; desse ponto, pelo Chaco e cruzando os Andes, alcançava o Pacífico.
Localizada à margem direita do Rio Tibagi (o rio do pouso), na vasta e ondulada Ibeteba (planície), Vila Velha, como já foi dito, conjunto de formações rochosas trabalhadas pela erosão ao longo de milênios, mexeu com a imaginação dos índios, que teceram muitas lendas transmitidas oralmente, geração após geração, pelos matuari (os velhos), aos jovens, a fim de explicar aqueles fenômenos. Uma delas é a de que o local teria sido escolhido pelos primitivos habitantes para sediar o Abaretama (terra dos homens), onde seria guardado o Itainhareru ( o precioso tesouro). Sob permanente proteção de Tupã, era o lugar cuidadosamente vigiado por uma legião de Aiabas (varões), escolhidos entre os mais valorosos homens de todas as tribos, treinados especialmente para desempenhar a honrosa missão; eles desfrutavam de todas as regalias, sendo-lhes, porém, vedado qualquer contato com mulheres, mesmo as de suas próprias tribos.
A tradição dizia que as mulheres, uma vez de posse do segredo do Abaretama, o divulgariam aos quatro ventos, e chegada a notícia aos ouvidos dos inimigos, estes arrebatariam o tesouro para si. E caso este fosse perdido, Tupã, o onipotente, deixaria de proteger seu povo e lançaria sobre ele as maiores desgraças. Os Apiabas eram fortes, ativos e bravos; seu único trabalho consistia em construir belos jardins nas terras daquelas planícies, e Tupã não permitia que, em recanto sagrado como era aquele, houvesse o pecado.
Numa certa época, Dhui, um índio de uma das tribos, fora escolhido chefe supremo dos Apiabas. Como todos os outros, tinha sido preparado, desde a mais tenra infância, para a sagrada missão. Entretanto, não era de seu desejo seguir aquele destino que lhe impunha o celibato. Seu sangue, de há muito, achava-se perturbado pelo fascínio das mulheres (era um cunhãrepixara mulherengo).
As tribos rivais, ao terem conhecimento da escolha, de pronto resolveram aproveitar-se da situação e elegeram entre as suas mais belas donzelas a que deveria ir tentar o jovem guerreiro, conquistar-lhe o coração e arrebatar-lhe o segredo. A escolhida foi Aracê Poranga (Aurora Bonita). Não lhe foi difícil despertar a atenção do ardoroso Dhui e, pouco a pouco, enlaçou-o em sua habilidosa teia, e o fez de tal modo que não transcorreu muito tempo para que o tivesse completamente apaixonado e subjugado a seus pés. Pouco mais e Aracê penetrou no Abaretama, com o consentimento de Dhui, que não conseguiu resistir ao desejo que ela manifestara. Se, em nome do amor, Dhui faltou a seu dever, também por causa dele Aracê traiu seus irmãos: numa tarde primaveril, quando os ipês, depois da floração, deixavam cair pétalas douradas como se fora chuva de ouro, Aracê foi ao encontro de Dhui, levando uma taça de uirucuri (o licor do butiá), para embriagá-lo; porém o amor também já dominava sua razão, o que fez com que tomasse do licor. E à sombra de um ipê, languidamente, quedaram entrelaçados.
Tupã vingiu-se, desencadeando sua fúria na forma de um terremoto, que abalou toda a planície. A ira divina convulsionou o solo e a região toda a planície. A ira divina convulsionou o solo e a região foi totalmente destruída, trazendo morte e dor. E o Abaretama virou pedra, o tesouro aurífero fundiu-se, transformando-se em líquido, e os dois amantes, castigados, ficaram também, para todo o sempre, um ao lado do outro, petrificados. A pouca distância, a causa de sua desgraça, a taça de pedra...
E quando ainda hoje alguém por ali passa, ouve o vento a repetir a última frase de Aracê: “Xê pocê ó quê” (Dormirei contigo). Foi assim que o Abaretama tornou-se Itacueretaba. A terra fendeu: são as grutas próximas a Vila Velha, e o tesouro fundido é a lagoa, que é chamada de Dourada, a qual, quando o sol nela bate em cheio, ainda reflete o brilho do ouro.
Dhui e Aracê estão, ainda hoje, lado a lado, circundados de ipês descendentes dos que assistiram à morte de ambos. E os sobreviventes daquele povo partiram para outras terras, onde a maldição de Tupã não os alcançasse. Fundaram novo império, em uma das imersas paragens da América do Sul.
Hoje, como ontem, em meio à vastidão dos Campos Gerais, considerados por Saint-Hilaire “verdadeiro paraiso”, as soberbas formações continuam a exercer grande fascínio para quem as vê. Transformadas em ponto de referência pelos bandeirantes e aventureiros que palmilhavam os Campos Gerais, nos séculos XVI, XVII e XVIII e, agora, visitadas anualmente, por milhares de turistas de toda parte-tanto do Brasil quanto do exterior-, as formações de arenito passaram a ser identificadas por nomes populares, consoante a forma afetada pelas rochas: Camelo, Rinoceronte, Muralha, Garrafa, Proa de Navio, Índio, Noiva, Cabeça de Gorila, Leão, Castelos, Bota, Esfinge, Malocas, Cogumelos, Farol, Baleia, Taça, Gavião, Tartaruga, Urso, Gruta e Planalto, admiradas através de circuito, a pé ou de trenzinho, implantado pela Empresa Paranaense de Turismo, a qual, ademais, dotou o parque de excelente infra-estrutura e moderno equipamento.
Próximo aos arenitos de Vila velha localizaram-se as Furnas “Caldeirões do inferno”, com bocas circulares de aproximadamente 100m de diâmetro e paredes verticais que atingem mais de uma centena de metros de profundidade, decorrentes de desabamentos doliniformes do arenito, nos vazios deixados na superfície inferior do solo pela dissolução de calcário, e a Lagoa Dourada, notável por suas águas cristalinas com, aproximadamente, 300m de diâmetro e dois ou três metros de profundidade, cujo fundo é constituído de mica ou malacacheta, e se alimenta da água das furnas, através de canais subterrâneos.